terça-feira, 1 de julho de 2008

Uma noite (ou um homem) comum

Era natal e ele não estava nem um pouco satisfeito com o ano que estava prestes a virar passado. Olhando pela janela, vendo as luzes enfeitando as árvores, sentiu uma vontade absurda de sair andando pela cidade. Completamente sem rumo, pegou seu maço de cigarros, tomou um copo d'água e saiu de casa.

Andava e andava e sentia que não saía do lugar. As mesmas árvores tortas, o mesmo asfalto sujo, a mesma falta de flores em seu caminho. Por um instante achou que estava perdendo tempo, mas continuava a caminhar, enquanto os fogos de artifício estouravam por toda a parte anunciando o ano novo. Pessoas vestidas de branco passavam por ele com um largo sorriso no rosto.
Sentiu não merecer tudo que tinha. Sentiu o vento refrescando sua pele. Não sentia sono, nem fome. Apenas uma vontade louca de fumar. Seu cigarro, antes sua única companhia, ficara no ano que se foi.

Respirou fundo depois de tropeçar em todas as suas feridas mal cicatrizadas. Não ouvia mais as vozes que, em sua cabeça, diziam para ele ser isso e fazer aquilo. Apostou que essas vozes desapareceram depois de tantos quilometros sendo ignoradas.

Sorriu, enfim. Como não poderia sorrir com aquele clima alegre que tomava conta das ruas?! Era carnaval e ele sentiu que fazia parte daquela festa. Lembrava de tudo que tinha passado. Seus amigos, amores, casas, medos, viagens, trabalhos, risadas, conquistas, decepções, sensações experimentadas...

De repente, tudo era novo. As flores apareceram. As estrelas também. A lua, quase cheia, avisava que era Páscoa. Parou. Estava em uma praça florida. Deitou, cansado, e olhando aquele céu incrível, adormeceu.

Acordou com os primeiros pingos de chuva batendo em seu rosto. Demorou até se lembrar onde estava e por quê estava ali. Essa última pergunta, aliás, ele não soube responder. Levantou-se pensativo e tomou o rumo de volta para sua casa ensopado pela tempestade que caía. Cruzou com as árvores tortas e viu toda a sujeira do asfalto ser varrida pela correnteza que se formava nas sarjetas. Lavava corpo e alma.

Amanhecia. As luzes de natal que enfeitavam casas e postes, davam lugar aos raios solares. Era véspera de natal e ele chegava em casa com a sensação estranha de que perdeu um ano com pensamentos e divagações banais. Uma nostalgia que ele não precisava. Tomou um banho, acendeu um cigarro e foi para a janela pensar na vida e planejar o ano novo...