terça-feira, 23 de junho de 2009

Acaso do acaso

Ele acordou no horário. Às 7 da manhã, seu despertador tocou e ele iniciou sua rotina matinal.
Jogou uma água no rosto, escovou os dentes, enfim, fez todas essas coisas que todos fazem pela manhã. Desceu, tomou um belo café-da-manhã com bolo, suco de abacaxi, uma maçã...
Pensou o quão sozinho se encontrava. Aquilo realmente o incomodava todas as manhãs.
Subiu, tomou um banho e se arrumou. Finalmente estava pronto para o trabalho.
Seu chefe era um chato, irritado como se a cada dia visse sua mulher acordar com um amigo diferente. Por isso, para não se atrasar sequer um minuto e adentrar o escritório as nove em ponto, ele tinha calculado o tempo exato que demorava para se arrumar e comer, além do percurso de metrô da Estação Parada Inglesa, onde era sua casa, até a Estação Vergueiro, obviamente onde era seu trabalho.

Era rotina. Logo, como previsto, às 8h20 ele entrou no último vagão do metrô. Isso também era rotina. O último vagão era o mais próximo da saída da Vergueiro, lá ele corria menos riscos de se atrasar, além de ter a oportunidade de viajar sentado. Sentou, então, no assento em frente ao assento cinza dos idosos, pois, sem os idosos, ele podia esticar as pernas. E passou a pensar, novamente, no quão sozinho se encontrava, apesar do vagão enchendo. Rotina.

Agora eram 8h35. O metrô parava na Estação Tiradentes e aquela que seria a mulher da sua vida se aproximava.

* * *

Ela acordou atrasada. Às 7h30, deu um pulo da cama, pois seu relógio biológico denunciava que algo estava errado. Ficou com raiva de seu pai, era ele o responsável por acordá-la todo dia às 6h50, mas desta vez ele tinha esquecido.
Mal jogou uma água no rosto, mal escovou os dentes, mal fez todas essas coisas que todos fazem pela manhã. Foi para a cozinha tomar um rápido café-com-leite.
Pensou o quão sozinha se encontrava. Aquilo realmente a incomodava todas as manhãs, mesmo aquelas mais corridas.
Aproveitou o momento de reflexão e lembrou que sua primeira aula era Antropologia. A aula que ela mais detestava e que o professor nunca fazia chamada. Relaxou. Resolveu agora comer alguma coisa. Abriu a geladeira para pensar: pão com manteiga, pão com geléia ou pão com requeijão? Optou por requeijão. Levou até a mesa e frustrou-se ao perceber que só não tinha o pão. Ela nem sentia tanta fome pela manhã mesmo...
Tomou um banho tranqüilo e se arrumou. Finalmente estava pronta para a Faculdade. Saiu de casa, foi até a padaria da esquina e voltou pra casa com 2 pãezinhos que tinham acabado de sair do forno. É que ela lembrou da sua avó falando que saco vazio não pára em pé...

Normalmente ela entraria no metrô Tiradentes, ao lado de sua casa, às 7h45, para fazer baldeação na Sé e chegar às 8h10 na Bresser, onde era sua Faculdade. Normalmente ela entrava no primeiro vagão que via. Normalmente ela tinha pressa. No entanto, dessa vez, ela fazia isso um pouco mais tarde e nem ligava pro fato de ter perdido um metrô enquanto estava na escada rolante. Já que tinha que esperar pelo próximo trem, andou pela passarela até o último vagão, pensando, novamente, no quão sozinha se encontrava.

Agora eram 8h35. A porta do metrô abriu-se à sua frente e ela se aproximava daquele que seria o homem da sua vida.

* * *

E se o pai dela a acordasse no horário combinado?
E se ela gostasse de Antropologia?
E se o professor fizesse chamada todo dia?
E se ela realmente não sentisse fome nenhuma de manhã?
E se tivesse pão?
E se, na padaria, o pão ainda estivesse no forno?
E se sua avó não tivesse repetido tantas vezes que saco vazio não para em pé?
E se ela descesse a escada rolante correndo e pegasse o primeiro trem?
E se o chefe dele não fosse tão intransigente quanto aos atrasos de seus funcionários?

* * *

Só havia um único assento vazio em todo o vagão. Era cinza. Não havia nenhum idoso. Faltou pouco, muito pouco para ela sentar lá. Ele até recolheu suas pernas ao notar alguém se aproximando. Mas a cidadania dela falou mais alto e ela desistiu. Deu um sorrisinho de agradecimento ao moço que recolheu as pernas e tomou a direção contrária. Ficou em pé, perto da porta, pois logo desceria.
Ele tentou retribuir o sorriso, mas ela já estava de costas. Desistiu e voltou a esticar as pernas. Ela desceu. Ele cochilou.

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Ainda bem que, por um acaso, o chefe dele descobriu que sua mulher dormia com seu amigo e teve um treco.
Ainda bem que, por um acaso, sobrou para ele levar o patrão para o Hospital que tinha convênio.
Ainda bem que, por um acaso, esse hospital era no Bresser, ao lado de uma Faculdade.
Ainda bem que, por um acaso, era horário de saída dos alunos.
Ainda bem que, por um acaso, tinha uma lanchonete do outro lado da rua.

Ainda bem que, por um acaso, eles pegaram a mesma fila e se reconheceram.