quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Perfídia

Bola 8 na caçapa do meio, cantou sua última tacada. E venceu.

Uma última golada na cerveja, matando quase todo o copo americano. “O sabor da vitória”, disse erguendo seu copo, desmerecendo a atuação da dupla adversária, que perdeu o jogo para um só homem.
Seu primo, companheiro de sinuca, não estava lá, havia dito que estava doente e não poderia sair de casa.
Recusou outro jogo. Recusou outra cerveja. Queria estar sóbrio.
Foi até o dono do bar, velho conhecido, e pediu para que pusesse a garrafa consumida na conta. Sem problemas.
Com ele, nada de dinheiro. Apenas seu RG e um presente que seu tio lhe deu.
Despediu-se de todos e tomou direção contrária à sua casa. Pra quê voltar pra casa, se sua mulher não estaria lá, afinal?
Ela havia dito que passaria a noite na casa de sua mãe, pois ela não estava bem.

No caminho, passou por um campinho. Desses que só se encontram nas periferias da cidade e mesmo assim estão cada vez mais escassos. Algumas crianças terminavam o futebol. Já era noite. Parou para observar e sentiu saudade de quando era moleque e jogava bola com o primo, o mesmo da atual parceria na sinuca, em um campinho muito parecido, até o anoitecer.
Uma das crianças do time que havia vencido o jogo, feliz e aliviada como se tivesse tirado um peso imenso das costas, comemorava cantando:
“Olha o passo do elefantinho. Olha como ele é bonitinho.”

Seguiu em frente.
Passou por um prostíbulo sujo do bairro. Olhou para a meretriz que estava na porta, uma mulher loira que visivelmente já não gozava da juventude, usando roupas que visivelmente não gozavam do bom gosto. Lembrou de algumas das vezes que havia adentrado aquele estabelecimento. Os porres que lá tomou, as garotas com quem se divertiu e o dinheiro que ali ficou. Isso, é claro, antes de se casar e se tornar um homem direito.

Virou a esquina. Caminhou por uma rua escura e estreita, com postes que ocupavam quase toda a calçada e caixotes jogados que faziam qualquer pedestre desviar, tendo que passar pelo meio da rua. Isto é, se existisse algum outro pedestre com coragem o suficiente de passar por aquela rua tão sombria e aterradora.
De um lado, algumas fábricas já vazias e sem funcionamento. Do outro, um muro, bem longo, separando o asfalto do mato e que só terminava na lateral da única casa da rua.
Uma casa sem vizinho nenhum.
Era lá o seu destino.

Ao se aproximar, viu que a única luz acesa daquele lar era a do andar de cima.
Subiu em cima do muro do matagal, passou pro muro da residência e pulou para dentro do quintal dos fundos. Conhecia muito bem aquela casa, tão bem que tinha certeza que a porta da cozinha estaria aberta. Estava.

Entrou. Tudo escuro. Não fez barulho nenhum.
Foi até a sala. Sem enxergar nada. E sem fazer barulho nenhum.
Chegou na escada. Subiu devagar. Não fez barulho nenhum.
Andou pelo corredor. Lentamente. Barulho nenhum.
Com a mão esquerda, girou e empurrou a maçaneta.
Com a mão direita, sacou o presente de seu tio.
E deu dois tiros.
Um no peito de sua mulher.
E um na cabeça de seu primo.

Jogou a arma sobre a poça de sangue.
E saiu pela porta da frente.

Na rua escura, andava de volta para casa e assobiava:
“Olha o passo do elefantinho. Olha como ele é bonitinho.”

4 comentários:

disse...

Hahahahahahaha pior que eu ri do passo do elefantinho no final. Um tanto macabro seu texto, mas você escreve bem né, fazer o quê! E por que a sua meretriz tinha que ser loira hein? Hã =P

Vitor disse...

Tchelo, você escreve qualquer gênero, de qualquer grau, com a mesma habilidade. Você é mestre.

Lucas... disse...

nossa muito boa

Newton Duarte Molon disse...

Gostei de passar por rua tão escura e aterradora.